Divinópolis, quinta-feira, 02 de setembro de 2004 |
JORNAL AGORA | ENTREVISTA |
Página 09 |
Kenzo Sasaoka
A fotografia tem que falar por si só
(por Marco Aurélio Braga)
Foi como se o homem tivesse chegado à Lua no século XIX quando,
em agosto de 1839, o francês Louis Daguerre anunciou a invenção
da fotografia, ou melhor, da técnica que reproduzia mecanicamente a realidade
sobre uma placa de metal. O entusiasmo contagiou Paris e, de lá, alastrou-se
para o mundo. |
JA - Qual sua ligação com Divinópolis?
Kenzo Sasaoka - Minha ligação com Divinópolis vem da
infância, onde sempre passava as esperadas férias de julho. Desde
criança sempre gostei da cidade, não apenas pelo lugar físico,
mas também pelos parentes que tenho aqui. O tempo foi passando e essa minha
relação permanece a mesma, pois aqui ainda é o lugar onde
me sinto bem e recupero as minhas forças para o caos de São Paulo.
Aqui tenho pessoas muito queridas.
JA - O que é fotografia?
Kenzo Sasaoka - A etimologia da palavra vem do Grego (foto: luz, grafia: escrita;
ou seja "escrever com a luz"). Entretanto a fotografia não é
apenas essa escrita da luz, também está muito ligada a nossa forma
de ver as coisas. Fotografia é também uma recordação,
uma forma de ilustrar fatos, ocasiões, lembranças. Hoje a fotografia
tem um papel muito mais abrangente do que quando foi descoberta, cujo objetivo
principal era apenas registrar imagens de uma forma diferente da pintura. A fotografia
criou hoje uma outra forma de se ver o mundo. Vivemos numa sociedade visual onde,
às vezes, uma foto informa e sensibiliza muito mais do que um texto. A
fotografia está em toda parte, escrevendo a história do mundo contemporâneo.
Mas, talvez, a resposta do que é fotografia tenha sido resumida de uma
forma muito mais sábia por Sebastião Salgado: "Fotografia é
uma forma de vida".
JA - Como você vê a fotografia brasileira?
Kenzo Sasaoka - A fotografia autoral brasileira hoje vem passando por um período
de ascensão. A cada dia que passa as pessoas estão passando a conviver
mais com a fotografia como arte. Formam-se novos profissionais - infelizmente
nem todos com qualidade - que estão renovando o mercado, tanto profissional
quanto o artístico. Já a fotografia dita "profissional",
de publicidade por exemplo, vem sofrendo um certo declínio talvez por causa
do digital e do custo operacional de uma foto. Quanto à foto jornalística,
ao meu ver, sofre um pouco com a falta de incentivo, pois hoje não vemos
mais grandes ensaios fotográficos em revistas de grande circulação
como a saudosa "Realidade" ou mesmo a "Manchete" que apresentavam
matérias jornalísticas ricamente ilustradas. Isso pode ser decorrente
da falta de verbas e de tempo hábil para se desenvolver projetos como esses,
que hoje ficam restritos somente a publicações em livros e revistas
especializadas.
JA - E a fotografia digital?
Kenzo Sasaoka - A fotografia digital é um ramo que vem crescendo num
ritmo condizente com a "geração Web". A cada dia temos
equipamentos mais sofisticados, com mais recursos, porém a um preço
que não decai com a velocidade dessa evolução. Dizer que
a fotografia digital tornou o ato de fotografar mais acessível a todos
é uma falácia: não basta apenas ter uma câmera, quase
que obrigatoriamente ela tem que vir acompanhada de um computador. Além
disso, o preço do equipamento costuma só começar a ser compensatório
em longo prazo, já que uma câmera simples custa bem menos do que
uma digital básica.
JA - Você tem uma imagem que
o acompanha e qual fotografia que marcou sua vida?
Kenzo Sasaoka - Várias imagens me acompanham. Acho impossível
definir apenas uma imagem que marcou minha vida. As imagens que mais marcaram
costumam ser as imagens que não consegui registrar com uma máquina,
mas sim com o meu olhar. Todos os dias essas imagens se reciclam, pois todo novo
dia é um novo desafio e também um novo acontecimento; portanto,
todos os dias novas imagens invadem a minha mente.
JA - Alguns afirmam que toda imagem,
ou toda fotografia é, na realidade um auto-retrato do fotógrafo.
Você também acredita nisso?
Kenzo Sasaoka - Em termos. Dentro de um trabalho pessoal, onde o fotógrafo
tem a liberdade de criar, acredito sim que as fotografias sejam um auto-retrato
do fotógrafo, pois elas costumam refletir o estado de espírito do
seu autor - são praticamente um "espelho" do seu criador. Quando
falamos num trabalho publicitário, que segue um layout, a fotografia não
deve ter o auto-retrato do fotógrafo em sua composição.
JA - O fotojornalismo e até
a fotografia de moda estão nos salões de artes e galerias. Como
você vê esse fenômeno?
Kenzo Sasaoka - A explosão da fotografia como forma de arte tem tomado
força no Brasil a cada dia. Isso vem acontecendo porque o público
está vendo a fotografia com outros olhos, olhos de quem não vê
apenas um registro de um acontecimento, mas sim uma forma de expressão
e de arte. As pessoas estão aprendendo a ver que o suporte fotográfico
pode ter possibilidades infinitas, algo que em países da Europa e nos EUA
já vem sendo explorado há décadas. É um fenômeno
muito positivo que vem ganhando força desde os anos 90, quando a fotografia
no Brasil ganhou uma nova dimensão: fugiu de sua disposição
clássica para tomar forma de instalações e apresentações
audiovisuais.
JA - Na maioria dos casos, a foto
não é o objeto, mas o suporte para sua arte. Você se considera
fotógrafo ou artista plástico?
Kenzo Sasaoka - Certamente me considero um fotógrafo, pois a fotografia
é o suporte que preciso para apresentar a minha arte e não é
apenas uma forma de ilustrar aquilo que faço.
JA - Na época da chamada
'New York School' dos anos 30 aos 60, havia uma piada que dizia: "Se você
não sabe como fazer, faça grande. Se não der certo faça
em vermelho". Na fotografia também é assim?
Kenzo Sasaoka - Atualmente a fotografia vem tomando uma forma que há
tempos já fugiu de sua forma convencional, num suporte mais clássico.
Muitos trabalhos que vemos hoje são cheios de efeitos e pirotecnias que
tiram o caráter mais clássico da fotografia. Para mim, uma foto
não precisa de um curador para a explicar, ela tem que falar por si só,
independente da interpretação de cada um. O mais importante numa
imagem é o sentimento que ela desperta no observador e não o que
ela significa. Apesar do meu trabalho ser de uma linha mais clássica, eu
acredito que ele não estreita as minhas relações com a fotografia
de arte, porque independente do que é a foto, ela também não
deixa de ser arte. É apenas uma arte que toma um outro rumo e também
sofre um outro tipo de julgamento. Não importa se uma imagem é considerada
de arte ou não, ela tem que ser uma fotografia e ponto. Até porque,
mesmo no ramo das ditas artes plásticas ou da literatura - por exemplo
- há muita subjetividade e controvérsia quando se rotula ou não
um trabalho como "arte". O sentimento e o entendimento cabem ao expectador
julgar.
JA - Quando você acha que
teremos verdadeiros fotógrafos de moda no Brasil?
Kenzo Sasaoka - Temos bons fotógrafos de moda no Brasil e teremos cada
vez mais a partir do momento que o brasileiro se conscientizar que nós
temos uma moda própria, que nós mesmos desenvolvemos aqui no Brasil.
Não podemos comparar a nossa moda com a de Paris, são estilos diferentes.
O brasileiro não precisa mais ficar submisso ao mercado externo da moda,
hoje nós é que exportamos o nosso estilo para o mundo. Não
é à toa que o frisson na Inglaterra é a sandália "havaiana".
Agora cabe apenas aos nossos fotógrafos de moda criarem um estilo próprio
de fotografar a moda genuinamente brasileira.
JA - O excesso de imagens 'modernetes'
cortadas, recortadas, mas sem nenhum critério e sentido, especialmente
nas revistas de tendências, não está esvaziando o conceito
de fotografia e a própria imagem?
Kenzo Sasaoka - Independente de ser recortada, montada ou, seja lá
como for, é fotografia como a cópia mais primorosa de Ansel Adams.
O conceito de fotografia é algo muito claro para todas as pessoas; quanto
à questão da imagem, fica muito a critério do observador
criar esse conceito de imagem em cima de algo completamente distorcido, na qual
muitas vezes o autor justifica o erro como linguagem. Muitos fotógrafos
hoje começam o seu trabalho já em cima de uma base "abstrata",
sem querer passar por uma formação técnica rigorosa. A justificativa
para um erro é chamada indiscriminadamente de "linguagem". Isto
é muito diferente de um fotógrafo com técnica apurada fazendo
uma fotografia experimental, da qual ele sabe todos os passos para chegar ao resultado.
Conceitos não se perdem, portanto por mais que a fotografia tenha tomado
um rumo diferente do que ela foi um dia, continua sendo fotografia da mesma forma.
Em relação a se criar uma vanguarda, acredito que não existe
necessidade, tendo em vista que, a partir do momento que as pessoas forem se habituando
a ver mais e mais fotografias, freqüentando exposições, elas
estarão aptas a julgar qualitativamente um trabalho, sabendo discernir
se ele é bom ou ruim. São os espectadores que vão fazer uma
seleção natural dos fotógrafos, dando mais atenção
àquele que tenha um trabalho consistente, sem que este fotógrafo
tenha que "impor" um movimento. A questão da vanguarda é
algo que tem que ser percebido pelo observador, não "imposto"
por um grupo.